O georreferenciamento dos imóveis rurais é exigência prevista na Lei nº 10.267/2001, regulamentada pelo Decreto nº 4.449/2002, e consiste na identificação precisa dos limites da propriedade rural por meio de coordenadas geográficas e é, conforme o art. 440-AQ do Código de Normas Nacional do CNJ e nos termos do art. 176 da Lei de Registros Públicos, meio de identificação do imóvel rural.
O cronograma de implantação do georreferenciamento foi escalonado de acordo com a extensão dos imóveis. A partir de 20 de novembro de 2025, chega o momento em que os imóveis rurais com área inferior a 25 hectares estejam georreferenciados.
Com a aproximação do prazo, salvo nenhuma novidade legislativa, vale relembrar decisão proferida em outubro de 2024 no âmbito do Agravo em Recurso Especial nº 2.480.456/PR, no qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento no sentido de que as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a Reserva Legal (RL) não devem ser computadas no cálculo da área total do imóvel rural, para fins de penhora, especialmente em hipóteses que envolvam a aplicação da Lei nº 8.009/90 quanto à impenhorabilidade da pequena propriedade imóvel rural[1].
A impenhorabilidade da pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, é um dos direitos e garantias fundamentais protegidos pela Constituição em seu art. 5º inciso XXVI[2] (vide art. 833, VIII, do CPC/2015).
A propriedade rural pode ser classificada em conformidade com o art. 4º da Lei 8.629/1993, que regulamenta os dispositivos constitucionais relacionados à reforma agrária, como: pequena propriedade, que é o imóvel rural de área até 4 módulos fiscais; a média propriedade como aquele de área superior a 4 e até 15 módulos fiscal; a grande propriedade rural aquela com tamanho superior a 15 módulos fiscais. O módulo fiscal é uma unidade de medida fixada pelo INCRA que leva em consideração as especificidades locais.
Para se verificar a classificação de determinada propriedade rural, pode-se consultar o CCIR do imóvel e é exatamente por isso que é de suma relevância que a Declaração para Cadastro de Imóveis Rurais – DCR seja feita corretamente, representando fidedignamente a realidade do imóvel rural.
A decisão em referência, de relatoria do Min. Antônio Carlos Ferreira, surge a partir de um caso no qual um proprietário de imóvel rural sustentava a proteção à sua propriedade rural, aduzindo que, para o cálculo do tamanho da propriedade (como pequena, média e grande) deve levar em conta apenas a área aproveitável do imóvel rural e não de sua extensão total, devendo ser descontada a parcela destinada à preservação ambiental (APP e RL).
Na instância inferior, o Tribunal de Justiça do Paraná havia considerado a área total do imóvel, concluindo que o desconto da parcela destinada à preservação ambiental só seria aplicado para fins fiscais, a teor do que dispõe a Lei Federal nº 9.393/1996, em seu artigo 10, § 1º, inciso II, alínea a[3], de modo que o imóvel rural objeto da ação judicial, não desfrutaria da proteção, tornando-o passível de penhora[4].
Contudo, o STJ, ao reanalisar o caso, decidiu que o cálculo, para fins de proteção à penhorabilidade da propriedade rural, deve incluir apenas a área efetivamente aproveitável. As áreas destinadas à proteção ambiental são indisponíveis e não exploráveis economicamente, tendo sua função restrita, nos termos do art. 40 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964), determinando o retorno do caso à segunda instância para que o Tribunal de Justiça do Paraná reanalisasse a classificação da propriedade com base na área aproveitável.
A decisão do STJ pode refletir em diversas frentes no âmbito imobiliário rural e fundiário. São elas, exemplificadamente:
Crédito Rural
Os imóveis rurais, antes enquadrados como médios ou grandes, podem ser reclassificados como pequenas propriedades, especialmente quando a soma das áreas voltadas à proteção ambiental seja relevante no cômputo da área total da propriedade.
Política de desapropriação para fins de reforma agrária
Sob o enfoque das políticas de desapropriação para fins de reforma agrária, tem-se que as propriedades classificadas como pequenas e médias são imunes à desapropriação (desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural) para fins de reforma agrária, conforme dispõe o art. 4º, § 1º, da Lei 8.629/1993, e o art. 185, II, da CRF/88.
Cadastro Ambiental Rural (CAR) e Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR)
A decisão reforça ainda mais a importância e a necessidade de adequação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado pelo Código Florestal (Lei 12.651/2012), e do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) perante o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), consolidando o papel central desses documentos na qualificação da área efetivamente produtiva do imóvel, servindo como referência técnica objetiva tanto para o Poder Judiciário, órgãos ambientais e quanto para o mercado fundiário em geral.
A distinção objetiva entre a área total e a área explorável do imóvel depende da confiabilidade das informações constantes nesses cadastros, especialmente quanto à localização, extensão e consolidação das áreas de preservação, reforçando a segurança jurídica quanto a dimensão das áreas efetivamente aproveitáveis do imóvel, sobretudo diante de discussões sobre a caracterização do porte da propriedade rural.
Considerações finais
Observa-se, portanto, que a decisão do STJ reforça a defesa da pequena propriedade como instrumento de dignidade e sustentabilidade e sinaliza para um refinamento jurídico da interpretação do uso econômico da terra rural, alinhando o Direito Civil, Ambiental, Tributário e Fundiário com as diretrizes constitucionais de proteção à propriedade rural.
A decisão também reafirma a importância de que o georreferenciamento, os cadastros da propriedade rural reflitam de maneira fidedigna a realidade do imóvel e mantenham conformidade entre si. Documentos como o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), o Cadastro Ambiental Rural (CAR), a declaração do Imposto Territorial Rural (ITR) e o registro no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR/INCRA) são avaliados em procedimentos administrativos, negociais e judiciais.
Em situações concretas, eventuais inconformidades nos cadastros do imóvel rural e em sua correta identificação pelo georreferenciamento podem impactar diretamente o tempo para a demonstração da classificação fundiária do imóvel rural.
A equipe de Assuntos Fundiários do William Freire Advogados Associados se coloca à disposição para prestar orientações e quaisquer esclarecimentos sobre o tema.
[1] Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.
§ 1º Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.
§ 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.
[2] XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;
[3] Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.
§ 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:
I – VTN, o valor do imóvel, excluídos os valores relativos a:
II – área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:
a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012; (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013) (Vide art. 25 da Lei nº 12.844, de 2013) (…).
[4] “O art. 833, VIII, do CPC/2015, dispõe ser impenhorável “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família”.
Em relação à extensão do imóvel, adota-se o previsto no art. 4º, II, “a”, da Lei n. 8.629/1993, com redação dada pela Lei n. 13.465/2017, que conceitua como “Pequena Propriedade” o imóvel rural “de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento” (destaque). (…)
Conforme entendimento do STF: “(…) a pequena propriedade rural consubstancia-se no imóvel com área entre 01 (um) e 04 (quatro) módulos fiscais” (ARE 1.038.507, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 21-12-2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-049 DIVULG 12- 03-2021 PUBLIC 15-03-2021 (destaque).” (STJ – AREsp: 2480456, Relator.: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 22/10/2024)

